sábado, 18 de novembro de 2017

domingo, 29 de outubro de 2017

inauguraçãorr


te procuro
nas coisas boas
em nenhuma
te encontro inteiro
em cada uma
te inauguro.

Alice Ruiz

sábado, 28 de outubro de 2017

Do que não é teu


Aí, me veio a lembrança daquela rua que terminava numa escadaria por onde não passo mais.
Tive a impressão de caminhar lá contigo.
Só que nesse tempo, nem sonhava com a tua existência.
Primeiro, achei engraçado. Depois, triste.
Não é direito roubar lembranças que não são tuas. Não é.
O presente já é tão grande e tão teu.
O antes não. O antes não compartilho.

Briza
*fotografia: Anka Zhuravleva

Para iluminar o vento...



fica em silêncio
a palavra aguarda um pássaro
no teu coração

Maria Azenha.

domingo, 15 de outubro de 2017

Demente...



Inventa cada carícia…


Chico Buarque


e o coração é uma semente inventada


Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado.
Quando, iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
– eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
– E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
– não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstrato
correr do espaço –
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,

que te procuram.

Herberto Helder

Carícia



és a minha carícia.

Kha Tembe

Destino



isto era o destino: 
chegar à margem
e ter medo da quietude da água. 

Antonio Gamoneda


quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Era sempre assim....



depois do abraço, ninguém notava, mas voltávamos trocados:

um levando o coração do outro.


Jaya Magalhães

domingo, 17 de setembro de 2017

Acordei com vontade de lhe dar meu olhar



Quero ser uma asa demorada
Prolongar-me no teu beijo cincunflexo,
no teu voo sempre ausente
de pássaro em queda

E bico-te os dedos lentos
E engulo-te o sexo cansado
enquanto as mãos se perdem
por entre crateras do teu sal

E sou uma lua desvairada
uma órbita torcida
desse teu corpo enviesado
desse teu astro arrevesado

Agripina Roxo

E sou essa lua desvairada


Quero ser uma asa demorada
Prolongar-me no teu beijo cincunflexo,
no teu voo sempre ausente
de pássaro em queda

E bico-te os dedos lentos
E engulo-te o sexo cansado
enquanto as mãos se perdem
por entre crateras do teu sal

E sou uma lua desvairada
uma órbita torcida
desse teu corpo enviesado
desse teu astro arrevesado


Agripina Roxo

A estranha que vive em mim



Depois de todas as loucuras

repetidamente imaginadas

(deliciosamente repetidas…) ,

surge essa desconcertante sanidade

e eu encontro, deitada no seu peito,

tranquila como quem ama,

a estranha que vive em mim…


Maria Borges

domingo, 10 de setembro de 2017

Onde o vértice é água



O deslizar suave da boca até à fonte
onde o vértice é de água.


JL Garcês

O amante



Dizem que eu tenho amores contigo!
Deixa-os dizer!…
Eles sabem lá o que há de sublime
Nos meus sonhos de prazer…
De madrugada, logo ao despertar,
Há quem me tenha ouvido gritar
Pelo teu nome…

Dizem – e eu não protesto –
Que seja qual for
o meu aspecto
tu estás
na minha fisionomia
e no meu gesto!

Dizem que eu me embriago toda em cores
Para te esquecer…
E que de noite pelos corredores
Quando vou passando para te ir buscar,
Levo risos de louca, no olhar!

Não entendem dos meus amores contigo –
Não entendem deste luar de beijos…
– Há quem lhe chame a tara perversa,
Dum ser destrambelhado e sensual!
Chamam-te o génio do mal –
O meu castigo…
E eu em sombras alheio-me dispersa…

E ninguém sabe que é de ti que eu vivo…
Que és tu que doiras ainda,
O meu castelo em ruína…
Que fazes da hora má, a hora linda
Dos meus sonhos voluptuosos –
Não faltes aos meus apelos dolorosos
– Adormenta esta dor que me domina!

Judith Teixeira

Cada vez mais...




Desaprendo chãos e aprendo asas…
Que posso fazer se meu coração voa?

Van Luchiari

sábado, 9 de setembro de 2017

Tão lua



Saiu.
A noite estava fria, mas belíssima.
Achou a lua enorme e pensou em compará-la a alguma coisa,
mas desistiu: parecia lua mesmo,
talvez nunca parecesse tão lua quanto naquela noite.

Lígia Fagundes Telles

O néctar das rosas púrpuras



Inventei uma bebida que chamei de púrpura.
É uma bebida que tem um efeito maravilhoso no corpo inteiro…
(…)
Para preparar essa bebida uso o néctar das rosas púrpuras…Nascem em pequenos buquês…
A bebida púrpura não deixa os seus gostos apenas na boca,mas em cada fibra do corpo.

(O Dia do Coringa)
Jostein Gaarder

Ávido



tenho a sede do mar – aquela de beber todos os rios
e continuar inquieto com tanto sal na saliva

Líria Porto

Difícil fotografar o silêncio



É que o silêncio faz um barulho danado em minh’alma.
“Difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei.
Eu conto: Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa, eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina. O silêncio era um carregador? Estava carregando o bêbado. Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra. Fotografei a existência dela. Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre. Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça. Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal” –

Manoel de Barros

Sob os anéis dos astros



fecharia os olhos sob os anéis dos astros
e entre os violinos e os fortes poços da noite,
descobriria a ardente ideia da minha vida.

Herberto Helder