sábado, 9 de setembro de 2017

Difícil fotografar o silêncio



É que o silêncio faz um barulho danado em minh’alma.
“Difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei.
Eu conto: Madrugada, a minha aldeia estava morta. Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa, eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina. O silêncio era um carregador? Estava carregando o bêbado. Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral do sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra. Fotografei a existência dela. Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão. Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre. Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça. Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com maiakoviski – seu criador. Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal” –

Manoel de Barros

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