quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Inanimada






Talvez a minha grande frustração seja não ter aprendido andar de bicicleta.
Era meu sonho, aquela toda rosinha, com a cestinha na frente.Uma só minha!
Mas, como os irmãos eram tanto, e naquele ano a colheita não havia sido tudo aquilo que meu pai esperava o que apareceu foi uma imensa, aos meus olhos de menina. Vermelha, sem acessórios e categórico meu pai disse que era de todos, o tal presente mantido em segredo até a caixa se abrir.
Meu irmão mais velho já saiu em disparada e os outros correndo atrás marcando a vez na fila. Éramos sete, ao todo, sem contar nos meninos dos empregados que viviam mais ali com a gente do que na casa deles.
No fim do dia, ainda não chegara minha vez e quando chegou, não se podia mais pedalar porque já era noite.
No dia seguinte, nova tabela de uso foi feita e eu, lá pelas tantas depois do décimo.mas na minha vez, ninguém dos mais velhos podia me ensinar e o pedal era longo para minhas pernas curtas.
Rompi de vez meu desejo de andar nela. E quando via os meninos de joelhos ralados dos tombos, aí que não mais queria nem passar por perto. E meu nome nunca mais foi pra lista.
Ela,coitada, foi abandonada tão logo chegou outro presente mais novo. A bola.
Ficava ali, indiferente, encostada embaixo de uma árvore, à espera.
E deixou de ser meu objeto de sonho e passou a ser meu objeto de desdém.
Quando em tropel eu passava por ela, montada no meu cavalo eu ainda, esnobava, ela ali, inanimada…

Mariana Gouveia

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