Aquela seria a primeira noite que eu dormiria fora.
Uma ansiedade enorme tomava conta de meu coração e percebi que meus irmãos também estavam ansiosos.
Eu nunca havia dormido longe deles, mas aquela noite era especial.
Uma ansiedade enorme tomava conta de meu coração e percebi que meus irmãos também estavam ansiosos.
Eu nunca havia dormido longe deles, mas aquela noite era especial.
A lua já apontava no céu e meus irmãos me
levaram até a porteira, que rangeu ao meu contato. Mal entrei e eles já
haviam sumido no caminho de volta. O cheiro gostoso de sopa exalou no
ar e ela me recebeu com um sorriso.
Pela primeira vez olhei direito pra ela.
Os olhos azuis piscaram e percebi que ela tinha o céu dentro deles. Os
cabelos agora soltos e sem o chapéu de capim dourado mostravam os cachos
sobre os ombros e os fios brancos que se pareciam fios de algodão que
ela mesma me ensinara a tecer na roca, que ficava bem no centro da casa.
Ela me sentou na cadeirinha e o prato cheirou na minha frente. Contou-me histórias, ensinou-me truques.
À noite, a casa parecia ainda mais
misteriosa e aquilo me encantava. Eu buscava cada detalhe, cada objeto. A
lamparina no teto, a cadeira que tinha uma manta de crochê por cima. Um
retrato amarelado na parede onde havia mais de 100 crianças amontadas
parecia que havia sido feito há séculos. Eram as crianças nascidas das
mãos dela.
Depois de comer, ela me levou para
janelinha, onde uma escadinha nos colocava lá no alto e o que vi me
deslumbrou: uma lua imensa no céu, e o jardim de cogumelos gigantes,
brilhavam.
À luz da lua, eles pareciam maiores do
que eram, e tinham uma coloração especial. Ali, a minha fantasia
delirou. E pareceu-me ver um monte de duendes entre eles.
Compreendi que estava vendo uma coisa só dela, secreta.
Aqueles cogumelos eram experiências que
ela fazia e que dividia comigo e isso me deixava em uma escala maior do
que qualquer pessoa. Acho que nem meu pai sabia deles.
A cama fofa, os pirilampos piscando além,
parecendo estrelas no chão. O cheiro da massa de pão, o silêncio da
noite. Era como se eu tivesse lendo um livro e como mágica fazia parte
dele. Quase uma Alice no País das Maravilhas e eu, estava dentro dele.
As horas do dia pareciam ter voado. É meia noite no fim da página e eu
ali, um ponto de encantamento e magia.
Ali, era a casa da dona Fulô, não a casa de uma bruxa como meus irmãos diziam. E eu, a menina sonhadora que vivia poesias.
Aquela foi uma noite de sonho… nem dormi
direito. Passei a noite inteira guardando no baú da mente aqueles
instantes e hoje os esparramo aqui, em letras. As letras que ela adorava
ver e não conhecia nenhuma, mas sabia como colocar cada uma em forma de
poesia na boca.
Mariana Gouveia
*Este post é parte integrante do projeto “Caderno de Notas – Segunda Edição”, do qual participam as autoras Ana Claudia Marques, Ingrid Caldas, Luciana Nepomuceno, Lunna Guedes,Maria Cininha, Tatiana Kielberman, Thelma Ramalho e a convidada Mariana Gouveia.
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