quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

* A noite mais especial


Aquela seria a primeira noite que eu dormiria fora.
Uma ansiedade enorme tomava conta de meu coração e percebi que meus irmãos também estavam ansiosos.
Eu nunca havia dormido longe deles, mas aquela noite era especial.
A lua já apontava no céu e meus irmãos me levaram até a porteira, que rangeu ao meu contato. Mal entrei e eles já haviam sumido no caminho de volta. O cheiro gostoso de sopa exalou no ar e ela me recebeu com um sorriso.
Pela primeira vez olhei direito pra ela. Os olhos azuis piscaram e percebi que ela tinha o céu dentro deles. Os cabelos agora soltos e sem o chapéu de capim dourado mostravam os cachos sobre os ombros e os fios brancos que se pareciam fios de algodão que ela mesma me ensinara a tecer na roca, que ficava bem no centro da casa.
Ela me sentou na cadeirinha e o prato cheirou na minha frente. Contou-me histórias, ensinou-me truques.
À noite, a casa parecia ainda mais misteriosa e aquilo me encantava. Eu buscava cada detalhe, cada objeto. A lamparina no teto, a cadeira que tinha uma manta de crochê por cima. Um retrato amarelado na parede onde havia mais de 100 crianças amontadas parecia que havia sido feito há séculos. Eram as crianças nascidas das mãos dela.
Depois de comer, ela me levou para janelinha, onde uma escadinha nos colocava lá no alto e o que vi me deslumbrou: uma lua imensa no céu, e o jardim de cogumelos gigantes, brilhavam.
À luz da lua, eles pareciam maiores do que eram, e tinham uma coloração especial. Ali, a minha fantasia delirou. E pareceu-me ver um monte de duendes entre eles.
Compreendi que estava vendo uma coisa só dela, secreta.
Aqueles cogumelos eram experiências que ela fazia e que dividia comigo e isso me deixava em uma escala maior do que qualquer pessoa. Acho que nem meu pai sabia deles.
A cama fofa, os pirilampos piscando além, parecendo estrelas no chão. O cheiro da massa de pão, o silêncio da noite. Era como se eu tivesse lendo um livro e como mágica fazia parte dele. Quase uma Alice no País das Maravilhas e eu, estava dentro dele. As horas do dia pareciam ter voado. É meia noite no fim da página e eu ali, um ponto de encantamento e magia.
Ali, era a casa da dona Fulô, não a casa de uma bruxa como meus irmãos diziam. E eu, a menina sonhadora que vivia poesias.
Aquela foi uma noite de sonho… nem dormi direito. Passei a noite inteira guardando no baú da mente aqueles instantes e hoje os esparramo aqui, em letras. As letras que ela adorava ver e não conhecia nenhuma, mas sabia como colocar cada uma em forma de poesia na boca.

Mariana Gouveia

*Este post é parte integrante do projeto “Caderno de Notas – Segunda Edição”, do qual participam as autoras Ana Claudia MarquesIngrid CaldasLuciana NepomucenoLunna Guedes,Maria CininhaTatiana KielbermanThelma Ramalho e a convidada Mariana Gouveia.

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